sábado, 15 de agosto de 2015

Movidos por ‘segundas intenções’, deputados defendem privatização do sistema prisional


Adital


A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do sistema prisional brasileiro aprovou seu relatório final. O documento não traz novidades sobre a natureza e a extensão dos problemas que acometem a população carcerária – segundo o balanço, de junho de 2014, do Ministério da Justiça, de 607,7 mil pessoas. Maus tratos, violência, falta de condições materiais, falta de acesso à saúde, educação, defesa e trabalho, além da superlotação, continuam compondo o cenário de abandono que caracteriza as prisões brasileiras.

A surpresa desconcertante do relatório está na conclusão sobre o que deve ser feito para mudar o quadro: ignorando a posição de juristas, sindicatos, da sociedade civil e do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), os deputados federais apontam a privatização total ou parcial do sistema como saída para a crise – um modelo que vem sendo aplicado em cada vez mais estados, ainda que sem regulamentação.

Deputados que compôem a CPI do Sistema Carcerário visitam 10 presídios
em todo o país, como, por exemplo, o de Pedrinhas, no Maranhão.

Para Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas e membro do CNPCP, "a conclusão mostra que os deputados veem os presos como uma commodity e o sistema prisional como um mercado em expansão a ser explorado”. "A experiência de países, como os Estados Unidos prova que os interesses econômicos são absolutamente irreconciliáveis com os objetivos do sistema prisional, que deveriam ser a recuperação e a ressocialização. Afinal, não faria sentido apostar em um mercado sem, ao mesmo tempo, trabalhar por sua ampliação – o que, nesse caso, significa privar cada vez mais pessoas de liberdade. Há um claro conflito de interesses”.

Segundo o Ministério da Justiça, a taxa de encarceramento brasileira (número de presos para cada grupo de 100 mil pessoas) cresceu quase 120% desde o ano 2000. Entre os quatro países com as maiores populações carcerárias do mundo (Estados Unidos, China, Rússia e Brasil), a taxa brasileira é a única que aumenta. De acordo com levantamento de 2014, da Pastoral Carcerária, mais de 20 mil presos em sete estados cumprem pena em cadeias privatizadas.

Na entrevista abaixo, Fuchs explica por que, ao contrário do que afirmam os deputados, a expansão desse modelo é prejudicial para a política prisional brasileira.

Internos nos presídios brasileiros vivem em condições sub-humanas de
superlotação e violência. 

Na prática, o que significa privatizar um presídio?

Hoje, a privatização se dá de vários modos e em diferentes graus no sistema prisional. Ela acontece quando o Estado delega a uma empresa a execução de um ou vários serviços, que podem ir da limpeza e do fornecimento de marmitas à construção e administração do presídio, passando pela segurança e o atendimento médico. Há casos, inclusive, da privatização do serviço de assistência jurídica – ou seja, o advogado que atende ao preso é contratado pela mesma empresa que administra a unidade, em claro conflito de interesses.

Por que é um erro defender a privatização, como faz o relatório da CPI?

Primeiro, porque essa conclusão mostra que os deputados veem os presos como uma commodity e o sistema prisional como um mercado em expansão a ser explorado. Não pode ser assim. A experiência de países, como os Estados Unidos, prova que os interesses econômicos são absolutamente irreconciliáveis com os objetivos do sistema prisional, que deveriam ser a recuperação e a ressocialização. Afinal, não faria sentido apostar em um mercado sem, ao mesmo tempo, trabalhar por sua ampliação – o que, nesse caso, significa privar cada vez mais pessoas de liberdade. Há um claro conflito de interesses.

Marcos Fuchs, diretor da Conectas, alerta que as experiências de privatização
de presídios em outros países fracassaram.

Mas os deputados afirmam que a privatização é mais barata e eficiente.

Também é preciso refutar esse argumento econômico. Os números utilizados pelos deputados no relatório derivam de uma única fonte, a Abesp (Associação Brasileira de Empresas Especializadas na Prestação de Serviços a Presídios). Não há qualquer evidência empírica de que a privatização seja menos onerosa para os cofres públicos. Inclusive, há vastos exemplos de que é justamente o oposto. O Paraná, primeiro estado a adotar a privatização no sistema prisional, já voltou atrás e retomou o controle de todas as unidades. O Reino Unido já aboliu esse modelo, a Alemanha o proibiu. Um estudo do Departamento de Justiça dos Estados Unidos foi enfático ao afirmar que o custo-benefício propagado pelas empresas e pelas autoridades não se materializou.

E do ponto de vista das condições de detenção? O presídio privado é melhor que o público?

Para fazer essa comparação, seria preciso partir de um ponto em comum, o que é impossível porque os presídios privados são beneficiados com a possibilidade de não receberem mais pessoas do que os contratos estabelecem e também de escolherem o perfil de presos que querem abrigar. Os presídios privados operam em uma realidade bastante diferenciada, privilegiada, eu diria. É preciso pontuar ainda que o repasse de verbas por preso para o sistema privado é maior do que no sistema público, como mostra o próprio relatório da CPI. Como seriam as condições nos presídios públicos se o investimento do Estado fosse o mesmo?

Por outro lado, não são incomuns as situações de crise em presídios onde grande parte dos serviços é privatizada. Um exemplo trágico é o caso de Pedrinhas, no Maranhão, onde praticamente toda a segurança é feita por terceirizados. Essas pessoas recebem salários muito menores, estão menos preparadas e, às vezes, sequer sabem que vão lidar diretamente com os presos quando são contratadas.


FONTE: Adital

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