quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Educação e PEC241: retrocesso de mais de 80 anos


Integrantes da Constituinte de 1934, reunidos no Rio. A PEC-241
os envergonharia

Garantia de percentual dos impostos para ensino foi estabelecida pela Constituinte de 1934. Sabia-se que país precisa superar atraso e desigualdade. Isso pode ir por água abaixo


Por Laura Carvalho


No Brasil, a vinculação de recursos tributários para a educação pública teve origem na Constituição de 1934. A ideia que fundamenta a vinculação é de que, para garantir direitos aos cidadãos, é necessário atribuir deveres ao poder público. O artigo 112 da Constituição de 1988 define que a União nunca aplicará menos de 18% da arrecadação de impostos na “manutenção e desenvolvimento do ensino”. Em 2000, o mesmo princípio foi estendido para saúde, que inicialmente acompanhava o crescimento do PIB e, a partir de 2016, passou a estar associada à evolução da arrecadação total.

A exposição de motivos da PEC 241 diz a que veio: “(…) É essencial alterarmos a regra de fixação do gasto mínimo em algumas áreas. Isso porque a Constituição estabelece que as despesas com saúde e educação devem ter um piso, fixado como proporção da receita fiscal”. Em um governo aberto ao debate democrático, a PEC do “teto de gastos” deveria chamar-se PEC da “desvinculação de recursos”.

Sob a alegação de que despesas obrigatórias engessam o Orçamento, a emenda altera o mínimo destinado a essas áreas para o valor vigente quando da implementação da regra, ajustando-o apenas pela inflação do ano anterior. Hoje a União gasta com saúde e educação mais do que o mínimo constitucional. Se em 2017 a União se ativer a esse mínimo, tal valor real passaria a funcionar como piso constitucional por 20 anos, mesmo em caso de expansão da arrecadação.

O governo alega que trata-se de um mínimo, e não de um teto, o que não implicaria necessariamente em um congelamento real dos recursos destinados a essas áreas. No entanto, dada a previsão de crescimento dos gastos com benefícios previdenciários —que ocorrerá por muitos anos mesmo se aprovada a reforma da Previdência—, o teto global para as despesas de cada Poder tornaria inviável a aplicação de um maior volume de recursos nas áreas de saúde e educação públicas. Caso contrário, despesas com outras áreas —cultura, ciência e tecnologia, investimentos em infraestrutura ou assistência social, por exemplo— teriam de ser ainda mais comprimidas ou até mesmo eliminadas.

Na prática, isso significa o abandono do princípio básico que norteou essas vinculações desde 1934, qual seja, de que enquanto não chegarmos aos níveis adequados de qualidade na provisão de educação e saúde públicas, eventuais aumentos na receita com impostos devem ter uma parcela mínima destinada à provisão destes serviços.

Embora haja sempre alguma margem para aumento na qualidade dos serviços pela maior eficiência —sem elevação de despesas—, a evidência é que houve melhora nos indicadores de resultado de ambas as áreas com a destinação maior de recursos na última década.

Ainda assim, os gastos em educação e saúde per capita no Brasil se mantêm em níveis muito abaixo da média dos países da OCDE. Com o crescimento populacional nos próximos 20 anos, o congelamento implicará em uma queda vertiginosa nesses indicadores. O envelhecimento da população, em particular, reduzirá muito as despesas com saúde por idoso, com consequências dramáticas sobre os mais vulneráveis.

Na contramão de países como Chile e EUA, que hoje caminham na direção de uma ampliação da gratuidade na provisão desses serviços, a proposta disfarça a desistência de levar o Brasil aos níveis de qualidade de ensino e atendimento em saúde públicos das economias mais avançadas. Em um país com níveis altíssimos de desigualdade social, não é difícil perceber as implicações.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Frei Beto: ‘Todo verdadeiro cristão é um comunista sem o saber’



“Todo verdadeiro cristão é um comunista sem o saber; todo verdadeiro comunista é um cristão sem o crer”. Assim respondeu Frei Betto, quando perguntado em uma entrevista se ele se considerava um comunista. Esse é o pensamento do escritor, jornalista e religioso dominicano, autor de mais de 60 livros, que nasceu em 25 de agosto de 1944.

Filho dos escritores e jornalistas Antonio Carlos Vieira Christo e Maria Stella Libanio Christo, Carlos Alberto Libânio Christo ficou conhecido como Frei Betto quando se tornou frade dominicano em 1966. No convento estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia Paralelamente aos seus afazeres religiosos, Começou a atuar como jornalista na revista Realidade e no jornal Folha da Tarde, órgãos de esquerda que desafiavam a censura da ditadura militar.

Os frades dominicanos participavam da resistência à ditadura, formando um grupo de apoio aos militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional) comandada por Carlos Marighella. O próprio Frei Betto explica que a tradição de participação dos dominicanos na luta política vem do tempo em que os dominicanos franceses e italianos lutaram junto com os comunistas contra os nazistas na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial.

“Estive várias vezes com Marighella. É um herói da história do nosso país. Tínhamos plena consciência das possíveis consequências. Tínhamos 20 anos na década de 1960, éramos uma geração viciada em utopia. Quanto mais utopia, menos drogas… O que não dá é viver sem sonhos”, afirmou.

Foi preso político de 1969 até 1973. “Fui torturado fisicamente na primeira prisão, em junho de 1964. Na segunda, em novembro de 1969, livrei-me da tortura física graças à intervenção do general Campos Christo, irmão de meu pai. Porém, assisti a torturas de outros presos e sofri torturas psicológicas, nos vários presídios por onde passei”. Todo esse sofrimento, Frei Betto relatou em alguns livros como “Cartas da Prisão”, “Diário de Fernando”, e “Batismo de Sangue”, onde descreve os bastidores do regime militar, a participação dos dominicanos na resistência, a morte de Marighella e as torturas sofridas por Frei Tito.

Frei Betto recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Assessorou vários governos como o de Cuba, coordenando projetos sociais e pastorais, e o brasileiro, onde ocupou a função de assessor especial do presidente Luis Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2010, coordenando também a mobilização social do programa Fome Zero.

Em 1983, ganhou o Prêmio Jabuti, com o livro “Batismo de Sangue”, com o qual ganhou renome nacional e internacional e foi adaptado para o cinema, em 2006, pelo diretor Helvecio Ratton.

Defensor da Teologia dqa Libertação, Frei Betto atualmente colabora com vários jornais e revistas de todo o Brasil, assessora movimentos pastorais e sociais e convive com personagens importantes da história política e cultural brasileira. É amigo pessoal do ex-presidente Lula, do compositor Chico Buarque, do líder Fidel Castro, entre muitos outros.

Via Liderança do PT na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro


sábado, 15 de outubro de 2016

A inviabilidade do Brasil e a derrota da sociedade


Por Aldo Fornazieri


"O Brasil padece de um problema genético-histórico, sem a superação do qual estaremos condenados à trágica normalidade, à irrelevância e à iniquidade: O povo enquanto povo nunca se autoconstituiu como uma comunidade política de destino. O Brasil não teve um evento histórico no qual fosse fundado pelo povo". O comentário é de Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo em artigo publicado por GGN,01-08-2016.

Segundo ele, "o fracasso do projeto do PT disseminou a reforçou a crença de que o Brasil é um país inviável do ponto de vista da constituição de um elevado padrão de justiça social e igualdade, de desenvolvimento econômico social e de sustentabilidade ambiental".

Eis o artigo.

O fracasso do projeto do PT disseminou a reforçou a crença de que o Brasil é um país inviável do ponto de vista da constituição de um elevado padrão de justiça social e igualdade, de desenvolvimento econômico social e de sustentabilidade ambiental. Acreditava-se que o PT removeria os mecanismos estruturais da desigualdade, que reformaria as instituições políticas, que modernizaria e imprimiria eficiência à administração pública, que adotaria elevados padrões de moralidade, que faria uma revolução na educação, que constituiria uma Era de direitos garantidos e que abriria as portas para um novo período histórico de desenvolvimento tecnológico, econômico, social e ambiental.

A projeção ideal desse projeto não só não avançou a contento, mas viu-se interrompida pelo fracasso governamental da gestão de Dilma Rousseff e submergiu afogada diante de graves denúncias de corrupção, jogando o PT na vala comum dos demais partidos dos quais havia pregado enormes diferenças.

Que as elites econômicas e políticas tradicionais do Brasil nunca foram capazes e nunca quiseram construir um projeto de modernização do país sempre se soube e o PT,na oposição, denunciava com veemência este descompromisso histórico que mantinha o povo manietado à iniquidade. Essas denúncias e a projeção ideal de uma possível transformação geraram esperanças no projeto do PT.Que este projeto sucumbisse de forma desmoralizada é algo a se registrar como um lamento e um desencanto nas páginas da história.

Nenhum povo está condenado a um passado eterno de opróbrio e ignominia. Disso deram provas os persas e hebreus antigos. Nenhum povo está condenado à irrelevância: disso deram provas os romanos antigos e os americanos modernos. Mas para que essas situações de tragédia sejam superadas são necessários ou líderes virtuosos ou povos virtuosos ou ambos combinados. Na verdade, a existência de um desses fatores sempre tende a gerar o outro.

Pois bem, o Brasil nunca teve e não tem nem um e nem outro desses fatores. O Brasil padece de um problema genético-histórico, sem a superação do qual estaremos condenados à trágica normalidade, à irrelevância e à iniquidade: O povo enquanto povo, no sentido de Maquiavel,de Rousseau e de Hegel, nunca se autoconstituiu como uma comunidade política de destino. O Brasil não teve um evento histórico no qual fosse fundado pelo povo. Na Independência, na Republica e em outros episódios nunca tivemos um momento de "terror fundante” no qual a cabeça dos malvados fosse cortada e a res publica e a sua lei fossem validadas pela espada e pela infusão do temor do castigo. Mal fundados, permaneceremos um povo desorientado, um país perdido na tentativa de remediar-se por um cipoal de leis que não vingam porque não são expressão autêntica das necessidades sociais.

A estatolatria e a sociedade anêmica

O Brasil sempre andou pelas mãos do Estado opressor, violento, patrimonialista, paternalista e excludente. Aqui o Estado é tudo, a sociedade é gelatinosa, inorgânica, desarticulada - para usar termos gramscianos. Aqui todos acorrem ao Estado: a esquerda, o centro, a direita, os progressistas, os liberais e os conservadores. Os movimentos sociais, os grupos étnicos, as ONGs, com algumas exceções, também correm para o Estado: querem uma secretaria, um ministério, verbas, funcionários, isenções.

Os maiores estatólatras são os empresários das mais diversas atividades, do agronegócio às micro e pequenas empresas, passando pelos grandes bancos. Todos querem benefícios, incentivos fiscais e privilégios, em múltiplos processos que drenam bilhões de reais dos recursos públicos para grupos privados. O sistema tributário no Brasil foi feito para que os que ganham mais paguem pouco ou nenhum imposto.

O Simples, o Supersimples e as MEIs provocam gravíssimas distorções em favor dos que ganham mais dentro dos respectivos patamares de isenção, como mostram estudos do Centro de Cidadania Fiscal. Outros estudos revelam que as isenções fiscais de produtos da cesta básica beneficiam menos os mais pobres e mais as maiores faixas de renda. Ou seja, mesmo os mecanismos que são criados para, supostamente, beneficiar os mais pobres terminam beneficiando os que ganham mais. Boa parte dos jovens da classe C trabalha durante o dia e estuda em faculdade privada à noite. Enquanto isto, nas universidades públicas a maioria dos estudantes pertencem a famílias com faixas de renda superiores. O Brasil é um país sui generis: tira dos pobres para dar aos ricos.

Na presente conjuntura de consolidação do golpe contra a democracia, em face da crise fiscal, a educação e a saúde, entre outros direitos, começam a ser as primeiras vítimas. Mas, como alguns analistas têm notado, a PEC 241/16, não é uma simples medida de ajuste fiscal. Ela representa a captura do Estado pelo sistema financeiro. Enquanto a maior parte dos gastos públicos, particularmente os gastos com os programas sociais, terão uma trava, os gastos com juros permanecerão livres desse limite. Trata-se de um artifício técnico para tirar poder do governo político, eleito pelo povo, e dos próprios representantes na Câmara dos Deputados, que não terão poder de decidir dentro das regras orçamentárias sobre parte dos recursos por um período de 20 anos se a Emenda for aprovada. Em outras palavras, limita-se a própria soberania popular, expressa através do voto, por um mecanismo que captura o Estado e a democracia em favor de determinados interesses.

A sociedade brasileira, nos ambos os lados da presente polarização, está saindo derrotada do atual processo político. Aqueles que queriam a saída de Dilma se mobilizaram julgando que a corrupção é o maior problema do país. Bastaria remover os corruptos e o Brasil voltaria a andar. De fato, a corrupção é um enorme problema, mas não é o maior. Parte dos manifestantes viu sair o governo do PT para acender o governo do PMDB e aliados, numa espécie de sindicato dos corruptos. As grandes manifestações contra a corrupção e pelo impeachment estão deixando como saldo um pouco mais que nada. Não resultou um salto organizativo da sociedade civil. Os políticos no Congresso decidem o afastamento de Dilma tomando as manifestações apenas como pretexto. O que vale são seus interesses próprios.

Hoje, boa parcela dos que não queriam Dilma também não quer Temer.Não lhes resta outro consolo do que o amargor de uma derrota e a sensação de que foram enganados. Sim, porque o "Vem Pra Rua”, o "Muda Brasil” etc., não passaram de fraudes: se diziam apartidários enquanto eram financiados pelos partidos do golpe e por grupos internacionais. As páginas da história haverão de registrar as grandes manifestações como um passear de multidões a serviço, não da sociedade, mas dos políticos, muitos deles corruptos, pois, mais uma vez, a transição está ocorrendo pelo alto, pelo Estado.

Os movimentos sociais e populares que lutaram e lutam em defesa da democracia e contra o golpe também estão sendo derrotados. Alguns já buscam um modo de acomodação com o novo estado de coisas do governo Temer. Os partidos de esquerda estão enredados na sua trágica incompetência. Os que lutam e olham o futuro a partir da perspectiva da sociedade são poucos e não têm uma representação e um enraizamento nacional e nem um projeto de refundação do Brasil. Essas forças novas que surgiram no processo dos últimos meses são insipientes, embora tenham uma semente de futuro, uma bruxuleante luz de esperança. As forças conservadoras requereram o prazo de dois anos para construir um projeto para 2018. As forças democráticas e progressistas estão embaraçadas na perplexidade da derrota.


FONTE: Adital

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Fragmentar a sociedade, projeto conservador



Para Márcio Pochmann, terceirização geral, em debate na Câmara e STF, reflete projeto de oligarquias financeira e agrária, que já não tem projeto para país — exceto punção da riqueza e trabalho


Por Carlos Drummond, na Carta Capital


A universalização da terceirização, seja a aprovada pelos deputados e em tramitação no Senado, seja a da proposta em análise no Supremo Tribunal Federal, é a uberização da força de trabalho, chama a atenção Marcio Pochmann, presidente licenciado da Fundação Perseu Abramo e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Faz parte do projeto da nova elite agroexportadora, que mantém a desigualdade, em contraposição às propostas fragmentadas da parcela da sociedade que gravita em torno dos serviços e está nas ruas, explica o economista da Unicamp na entrevista a seguir.

Como a terceirização cresceu?

Marcio Pochmann: No fim dos anos 1980, início dos 1990, da recessão do governo Collor e da abertura comercial, expuseram o parque produtivo brasileiro à competição internacional sem condições adequadas. Isso culminou em uma reação dos empresários para reduzir custos. A terceirização permitia às empresas concentrar-se nas atividades finalísticas e repassar as atividades-meio, fugindo do modelo fordista em que a empresa fazia tudo. Esse era o discurso que veio de fora. 


A terceirização, segundo as empresas, aumenta a produtividade.

A terceirização aumentou muito com a desregulamentação dos anos 1990, do governo Fernando Henrique basicamente como mecanismo de redução de custos e precarização do trabalho. Nesse período, o País não teve ganhos de produtividade. A partir do ano 2000, com o ambiente econômico mais favorável, houve uma ampliação do setor produtivo, com empregos não terceirizados entramos em um ambiente de quase pleno emprego nos melhores momentos.

A recessão estimula a terceirização?

Ela voltou a ganhar espaço no ambiente recessivo, de forte pressão sobre os custos das empresas. O projeto aprovado na Câmara e agora à disposição dos senadores é o inverso do defendido por juristas, especialistas, trabalhadores e sindicatos, de regular a atividade terceirizada de modo a comprometê-la com o ganho da produtividade em vez da redução de custos. A legislação em tramitação não é para os terceirizados, é para universalizar os não terceirizados. 

Como vê essa perspectiva?

Associo a universalização da terceirização ao processo de uberização da força de trabalho no Brasil. A ideia do serviço de táxi desregulamentado do Uber é inviabilizar impostos e tributos. O governo está preocupado com fundos públicos para financiar a Previdência, mas a terceirização certamente vai implicar menos arrecadação para o Estado. É coerente com a proposta de relação direta entre patrão e empregado. Descarta-se o sindicato, não há regulação. É uma volta ao século 19. 

Quais seriam as perspectivas?

Vivemos uma fase de reavaliação do projeto de redemocratização do Brasil dos anos 1980. Acreditávamos que a democracia poderia ser uma possibilidade de mudança, mas ela não permite isso, toda conquista vai por água abaixo. De 1981 a 2016, a economia brasileira cresceu 2% ao ano em média. Isso dá 0,6% per capita. Estamos num ciclo de decadência da industrialização, que começou nos anos 1980. Hoje a indústria representa 7% do PIB. É uma fase longa de decadência econômica, mas também política, dos valores culturais, dos relacionamentos, das instituições, algo muito maior. Olhamos o curto prazo, o cotidiano, mas há um movimento maior nisso. 

Que movimento seria esse?

Os partidos e os sindicatos são vinculados ao mundo industrial, mas estamos numa sociedade de serviços, onde há quase o mesmo tipo de relação existente na sociedade agrária, sem laços. A situação não propicia compromissos de médio e longo prazo. É uma sociedade gelatinosa, não converge para absolutamente nada. Veja o exemplo de Campinas, que teve uma base industrial operária. Hoje, 21% do emprego da classe trabalhadora está ligado a dez shopping centers. É o mundo dos serviços.

Reúne o trabalhador não empregado, mas parceiro ou sócio, que ganha em razão das vendas. Os assalariados da faxina, limpeza, segurança e manutenção. Os vendedores das lojas de grife, do MacDonald’s, dos cinemas. Não tem nada que os una, circulam sob o mesmo teto sem diálogo, não são companheiros, não são colegas. O shopping é uma agregação de empreendimentos sem identidade. É a situação pós-moderna, de fragmentação socioeconômica. Muito diferente da situação da fábrica. Os trabalhadores não se conhecem, mas há ali a figura do dono ou do diretor-geral, que define o salário.

Qual seria a alternativa?

Estamos diante de uma crise de projeto da sociedade brasileira. Há o caminho da elite dirigente, proveniente de um projeto do passado, primário-exportador. A fração nova dessa elite está em parte do Centro-Oeste e do interior do Nordeste, onde se localiza boa parte dos 30% dos municípios brasileiros que cresce mais de 7% ao ano por causa do agronegócio. Essa elite não existia até os anos 1980, é resultado das opções que o País fez, do ajuste exportador, da valorização cambial, do investimento público nas pesquisas da Embrapa. Há um êxito aí, mas aponta para um rumo que não é o de uma nação desenvolvida, mas o de um Brasil que reproduzirá as desigualdades.

É um projeto que não gera riqueza suficiente para repartir de forma digna, justa. Em contrapartida, há o outro lado do País, urbano e dependente dos serviços. Aí existe a possibilidade de formação de outra maioria, que não se identifica hoje com partidos e sindicatos, depende da eficiência do Estado e quer serviços decentes e ética na política. Esse pessoal está nas ruas, tem uma crítica e se manifesta, mas isso não resulta em liderança, proposições, numa instituição que possa dar conta dessa realidade. Não consegue convergir para um projeto. Há, portanto, o embate desses dois projetos, em disputa para superar o modelo velho, que está em crise.


Como desmontar a Ciência e Tecnologia brasileiras

CNPq, entidade essencial ao desenvolvimento nacional, é o alvo da vez. Série de cortes brutais em Educação e Ciência escancara um Brasil q...