terça-feira, 21 de março de 2017

Tempos Idos e Vividos IX



Por Aluizio Moreira


Como a família, a escola, o local de trabalho, a sociedade em geral estigmatizam as pessoas! Você, que até então considerava a si mesmo como um igual, começa a sentir o peso de ser diferente. Foi como me senti quando no Quartel da Policia em Casa Forte, fui fotografado de frente e de perfil, expondo um número que já marcava uma diferença entre você e uma pessoa considerada “normal”. Por estes simples fatos, passei a ser visto, ou melhor, o poder impingiu-me a marca de ser diferente do padrão aceito pelas pessoas. Agora, eu era um ser diferente: comprovadamente um comunista. Consequentemente, para os outros eu adquiri outros valores que destoavam dos valores impostos pela sociedade. Assim acontece com um ateu, com um homossexual, com os que professam outra religião que não a que é considerada oficial. Os antigos colegas se afastam, as antigas namoradas deixam de sê-lo, os antigos vizinhos não nos reconhecem. Isto tudo por pensarmos a sociedade de modo diferente. Por defendermos que a desigualdade entre as pessoas pode deixar de existir. Por admitirmos “que outro mundo é possível.” 

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Tendo sido informado por um jornal local que a firma Fortaleza Comercial e Distribuidora, uma das empresas do Grupo J. Macedo, aqui representando a Brandinis, iniciando no Recife suas atividades estava selecionando pessoal para vários setores, candidatei-me a uma vaga de auxiliar de escritório, de sorte que em setembro de 1973, dois meses ter sido demitido do Bank of London, por razões politicas já referidas anteriormente, lá estava eu de volta ao mercado de trabalho. 

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É evidente que com minha prisão naquele ano, o Boletim do PCB local AVANTE, impresso em minha residência em Ouro Preto, Olinda, deixou de existir. Também por motivos óbvios, tive que morar (ou me esconder) em outro lugar: Alto Santa Isabel, bairro de Casa Amarela, numa casinha nos fundos de uma casa maior onde residiam os proprietários.

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Continuei com minhas atividades partidárias, sempre me reunindo com os camaradas, ora numa praça em Casa Amarela, ora em outra na Vila do Ipsep, ou mesmo no centro do Recife. Contatos que envolviam sempre um outro camarada, nunca mais que dois militantes. Os encontros ocorriam num estado de tensão danado, pois ficávamos sempre atentos com a aproximação de qualquer cara de paletó e chapéu.

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Todos esses encontros com o pessoal do Partido aconteciam sem que minha esposa e filho soubessem, pois o clima em casa, depois de minha prisão, ficou muito complicado. Qualquer pessoa (homem. mulher, criança, adolescente, vendedor ou esmoler) que se aproximasse de nossa casa ou batesse em nossa porta, já pensávamos tratar-se de um policial ou informante da policia. O temor e o sobressalto eram constantes durante as 24 horas. É preciso que se tenha vivido sob uma ditadura militar anticomunista, para se ter uma ideia clara do que é enfrentar, diuturnamente,  uma  situação de insegurança e de incerteza. Mas não era só em casa que o temor e o sobressalto tomavam conta de mim. Na firma onde trabalhava, a aproximação de uma pessoa com comportamento que eu considerasse “fora do normal”, era o suficiente para desestabilizar-me.

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Foi neste clima que num certo dia, um de meus cunhados telefonou-me convidando-me para um almoço numa churrascaria na Av. Mascarenhas de Moraes. Estranhei o convite. Até pensei que alguma coisa grave tinha acontecido com minha esposa, pelo estado constante quase que desesperado do seu comportamento. Acertei em parte, pois ao término do almoço, soube que realmente tratava-se de minha mulher. O cunhado fora o emissário do seu pedido de separação, O motivo? Sua insegurança e medo diante da situação de desespero em que nós nos encontrávamos. Eu não tinha o que dizer, nem o que fazer. 

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Finalmente no segundo semestre de 1979 concluía o Curso de Licenciatura em História e no primeiro semestre do ano seguinte concluía o Bacharelado também em História, ambos na UNICAP.  Minhas leituras relacionadas com minhas atividades partidárias, motivaram-me a preparação da Monografia de Bacharelado sobre o Movimento Operário em Pernambuco: “Pernambuco, 1917, colapsos e conflitos”, na qual procurava resgatar o movimento no seu cotidiano e defender a ausência do anarcossindicalismo naquela greve geral em Pernambuco, ao contrario do que ocorreu em São Paulo, Rio de Janeiro. (A Revista Clio do Mestrado de Historia da UFPE, nº 25 de 2005, publicou o capitulo que trata exclusivamente da referida Greve)
  
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No mesmo ano em que concluí o Bacharelado, fomos visitados na firma onde até então eu trabalhava, por um pessoal do Grupo J. Macedo propondo que os chefes de pessoal das empresas “filhas”, do Grupo, fossem fazer um Curso de Gerencia de Pessoal, em Fortaleza. Por mais que esta proposta fosse convidativa que poderia ser o inicio da uma carreira dentro das empresas do Grupo, pedi para entrar de férias, pois retornaria dentro do prazo para apresentar minha decisão. As férias me possibilitaram uma reflexão mais detida sobre o assunto, afinal de contas estava com o diploma nas mãos.  Concluindo que a minha possível ascensão nos quadros do Grupo como Gerente de Pessoal não me garantiria segurança in aeternum numa empresa capitalista, abdiquei do convite. Ao retornar das feiras fui diretamente à Gerencia fazer um acordo para liberação do meu FGTS mediante meu pedido de rescisão do contrato de trabalho mesmo sem ter qualquer emprego á vista na minha área de graduação: o ensino de História.

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Datilografei meu curriculum, relacionei por um catálogo um número razoável de colégios e cai em campo. O fato é que “a minha estrela na testa”, segundo meus familiares, me permitiu no primeiro mês, ser contratado por um Curso Supletivo, meses depois estava atuando no magistério na Fundação do Ensino Superior de Olinda (Funeso) e na própria Universidade Católica onde me graduara, a convite da Chefe do Departamento de História, na época, Alda Simoneti 

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Entrava então em outro momento de minha vida, consequentemente de minhas atividades politicas. Atuaria agora como docente integrando-me na categoria de profissional da educação numa Fundação do Ensino Superior e numa Instituição jesuítica. Por outro lado, fosse qual fosse a orientação das IES, como professor, não poderia jamais tratar o conteúdo das disciplinas, sem expor a minha visão de mundo, de sociedade. 

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Não há a tal da neutralidade em educação, e defender o contrário já é assumir uma posição que não é de neutralidade. Alfabetizados ou não, todos temos uma visão de mundo, e não há como  ver e pensar o mundo com uma visão que não seja a nossa. Isto quer dizer, que não apenas na exposição/explicação dos fatos nos alinhamos com determinada postura político-ideológica, mas até mesmo na escolha da bibliografia que utilizaremos em aula, infalivelmente, conscientemente ou não,  nos orientamos pela nossa concepção de mundo e das coisas. Daí por diante, ao repensar Revolução, fim do capitalismo, cheguei à conclusão que a instituição de uma nova sociedade, socialista, não se daria pela ação de um grupo de abnegados revolucionários que assaltaria o poder. Também passei a desacreditar que a transformação da sociedade burguesa em uma nova sociedade, poderia acontecer pela via parlamentar. Afinal, são as "pessoas que mudam o mundo".




2 comentários:

  1. Linda trajetória de vida! Com certeza, você foi e é um sujeito feliz! Você existe no verdadeiro sentido da palavra, o de sair de si, por acreditar que é possível uma sociedade de iguais. Parabéns!

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  2. Sempre brilhante, Professor. Biografia de coerência, luta e que nos inspira ao bom combate. Saudações.

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